sexta-feira, 5 de agosto de 2005

O peso e a leveza

"Ao mesmo tempo, aparece-me outra imagem: a de Nietzsche a sair de um hotal de Turim. Vê um cocheiro a vergastar um cavalo. Chega-se ao pé do cavalo e sob, o olhar do cocheiro, abraça-se à sua cabeça e desata a chorar.
A cena passava-se em 1889 e Nietzsche, também ele, já se encontrava muito longe dos homens. Ou, por outras palavras, foi precisamente neste momento que a sua doença mental se declarou. Mas, na minha opinião, é justamente isso que reveste o seu gesto de um profundo significado. Nietzsche foi pedir perdão por Decartes ao cavalo. A sua loucura (e portanto o seu divórcio da humanidade) começa no instante em que se põe abraçado ao cavalo.
E é desse Nietzsche que eu gosto, tal como gosto da Tereza que tem ao colo a cabeça de um cão mortalmente doente e que a afaga. Ponho-os um ao lado do outro: tanto um como outro se afastam da estrada em que a humanidade, «dona e senhora da natureza», prossegue a sua marcha sempre em frente."
Milan Kundera, in A Insustentável Leveza do Ser

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